Tudo anda muito cheio. Os metrôs e ônibus cheios de pessoas, as ruas cheias de carros, os cérebros cheios de informação, os peitos cheios de ansiedade. Falo muito por aqui sobre a sensação de respirar, porque são breves os momentos que sinto o ar entrar lentamente e sair com calma pelas minhas narinas. É como se eu só pudesse sentir essa sensação quando, em um momento de busca urgente pela calma, um sinal interno e silencioso ou expressivamente ditado dissesse “respira fundo”, “inspira, agora solta”, ou “desacelera”.
Alguns dias atrás, vi um vídeo de alguém falando sobre álbuns de figurinhas, daqueles que as crianças dos anos 90 tinham e colecionavam. Eu tinha me esquecido da sensação que era juntar os centavos para comprar os pacotinhos com as figurinhas - e de como ganhar cinco reais dedicados a completar o álbum era a mesma coisa que estampar um sorriso largo no meu rosto. Ao mergulhar nessa memória, quis me perder nela… e de fato me perdi. Ou melhor, a perdi. Lembrei que existia um álbum de figurinha específico que eu amava com todas as minhas forças, mas minha memória apagou sobre o que ele era. Perguntei pra um tanto de gente, pra ver se alguém tinha tido esse bendito álbum e pudesse me dar uma luz sobre o que tinha nele. Nada. As memórias devem ter voado em coletivo, e ele simplesmente se perdeu.
Algumas memórias fizeram sua marca e ficaram, mas são tantas que não encontraram mais espaço para ficar, e então simplesmente se foram. Objetos, pessoas, momentos, palavras, conversas, sensações… que sumiram. Memórias se vão desde que o mundo é mundo, é verdade, mas sinto que estamos apertando cada vez mais o espaço que elas fazem morada.
O bombardeio de informações, que geram uma explosão de sentimentos contraditórios esteja onde você estiver - no sofá de casa ou em um metrô lotado às seis horas da tarde - usa muito da nossa cabeça e peito. Nosso corpo e espírito estão o tempo todo tentando lidar com o tal bombardeio - às vezes o acolhendo, outras revidando, outras se defendendo - e nesse processo, algumas memórias que estavam ali, aquecidas, tomam seu rumo para fora de nós, já que elas não se encaixam mais com o agito de uma rotina sem espaço para o relembrar, reviver, revalorizar.
Moro em um apartamento em uma metrópole, um cubículo que chamo de lar, mas não é ele que faz eu me sentir fisicamente apertada. Às vezes esqueço de olhar para fora da janela - mesmo quando a abro pela manhã. Esqueço de saborear o café da manhã, de aproveitar um papo despretensioso, de sentir e tirar o melhor de cada temperatura, de memorizar cada palavra que troco com quem eu amo. Esqueço de criar as memórias que vão ser meu aconchego no futuro.
Sei que as lembranças são criadas independente da nossa vontade, elas simplesmente acontecem. Mas me preocupa saber que o espaço para elas se aconchegarem está cada vez menor - assim como o espaço nas cidades, nos metrôs, nos ônibus, nas agendas…
Não sei se um dia voltaremos a enxergar as ruas como caminhos livres para trilhar, e não como engarrafamentos de carros, de buzinas, de problemas, de medos ou de informações. Mas sei que um dia vamos sentir falta - se já não sentimos - de espaço para sermos quem desejamos ser, se nos permitíssemos aproveitar o tempo.
Do outro lado do muro 🐢
Um texto que foi um abraço quentinho para uma comunicadora
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Inclusive, comprei e iniciei a leitura do livro da Dani Arrais: Para Todas as Mulheres Que Não Têm Coragem;
Tempo como arte
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Adorei seu texto. Tenho sentido muito do que você relatou. Minha terapeuta me sugere que eu tente reencontrar o meu ritmo pessoal, natural, particular. A velocidade que me faz bem e não a que o mundo ou o trabalho me impõem. Essa é minha meta para o fim de 2024 / início de 2025
Ah eu nao gostei do texto.... AMEI!!!! Bel, me ocorreu uma não metáfora sobre esse seu título. Meu apê pequenino, tenho carinho por ele ( e é o que posso pagar... ) Então toda vez que vejo que tem coisa demais ao redor, percebo que é hora de deixar algumas coisas irem embora. Porque o pequeno tem sua beleza, a beleza da simplicidade. Cabe a nós fazer a peneira e deixar somente o que vale a pena ficar de vez ao nosso redor. E aí emendamos pra metáfora da vida e de tudo mais... Um beijo saudoso!